
Francisco Mosimann
17 de abr. de 2025
O Farmacêutico pode recusar a prescrição médica?

Francisco Mosimann
17 de abr. de 2025
O Farmacêutico pode recusar a prescrição médica?
A Justiça Federal do Distrito Federal suspendeu, a pedido do Conselho Federal de Medicina (CFM), a Resolução nº 05/2025 do Conselho Federal de Farmácia (CFF), que autorizava os farmacêuticos a prescrever medicamentos. A decisão judicial reafirmou que a prescrição medicamentosa é ato privativo do médico, por envolver diagnóstico nosológico, conforme estabelece a Lei do Ato Médico (Lei nº 12.842/2013).
Apesar disso, é importante esclarecer que o farmacêutico cumpre papel essencial na dispensação de medicamentos. Nos termos da legislação sanitária (como a Lei nº 5.991/1973 e a Portaria SVS/MS nº 344/1998), o profissional tem o dever de verificar a regularidade da prescrição médica, devendo, quando necessário, recusar a dispensação de um medicamento caso identifique irregularidades que comprometam a segurança do paciente ou a legalidade do ato.
Entre as hipóteses que autorizam — e por vezes impõem — a recusa fundamentada do farmacêutico, destacam-se:
Prescrição com ilegibilidade severa, incompleta ou sem dados obrigatórios, como identificação do paciente, do profissional prescritor, data, dosagem, forma farmacêutica e via de administração;
Vícios formais ou indícios de falsificação da receita médica, como divergências na identificação do prescritor ou ausência de registro no respectivo conselho;
Incompatibilidade de dosagem do medicamento, por ultrapassar os limites farmacológicos ou a prescrição apresentar incompatibilidades;
Interações medicamentosas graves ou contraindicações evidentes, especialmente quando há risco de eventos adversos severos ou uso concomitante de substâncias de ação potencialmente letal;
Prescrição de medicamentos controlados sem observância das normas específicas, como ausência de receita especial, numeração, validade, entre outros requisitos da Portaria nº 344/1998.
Nessas situações, o farmacêutico deve adotar postura técnica e cautelosa, priorizando a segurança do paciente e a conformidade legal do ato. Sendo possível, o farmacêutico deve entrar em contato com o profissional prescritor para esclarecer eventuais problemas que tenha detectado. Em caso de recusa, esta deve ser devidamente fundamentada, registrada por escrito (pode ser transcrita no verso da prescrição). O profissional também pode acionar a vigilância sanitária ou seu conselho de classe para orientação, especialmente em casos reincidentes ou de maior gravidade.
É necessário, ainda, que não haja abuso de atuação do farmacêutico, com negativa de medicamentos sem justificativa técnica correta. Não compete ao farmacêutico avaliar a pertinência terapêutica do medicamento prescrito, devendo se ater aos casos de erros formais e casos que podem trazer perigo evidente ao paciente. A seguir, apresentam-se exemplos relatados por profissionais médicos, que apontaram situações em que a negativa de dispensação não observou fundamentos técnico-legais adequados:
negativa de venda do medicamento tansulosina a uma paciente feminina em tratamento de cálculo urinário sob a justificativa de que “mulher não tem próstata”;
negativa de venda de colírios indicados por otorrinolaringologista para aplicação no ouvido;
negativa de venda de finasterida para alopecia androgenética em mulheres.
Também é importante ressaltar que o farmacêutico não deve alterar a prescrição médica¹, realizando indicação de outro medicamento, devendo sempre solicitar ao médico responsável os esclarecimentos ou confirmação do que consta na prescrição.
Portanto, embora não possa prescrever medicamentos, o farmacêutico tem papel essencial na proteção da saúde pública, atuando como agente de controle técnico-sanitário no sistema de dispensação. Sua intervenção não configura afronta à prescrição médica, mas sim cumprimento de um dever profissional legítimo, previsto em lei e indispensável à qualidade e segurança do uso de medicamentos no país.
Fontes:
Lei federal nº 5.991, de 17 de dezembro de 1973.
Portaria SVS/MS nº 344, de 12 de maio de 1998 da Secretaria de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde.
Resolução CFF nº 357, de 20 de abril de 2001 do Conselho Federal de Farmácia, com redação alterada pelas Resoluções n. 416/04 e 597/14.
Código de Ética da Profissão Farmacêutica.
Resolução nº 05/2025 do Conselho Federal de Farmácia, suspensa por decisão liminar na Ação Civil Pública n. 1024895-51.2025.4.01.3400 que tramita na Justiça Federal do Distrito Federal.
¹ A substituição por medicamento genérico equivalente é permitida, desde que mantenha o princípio ativo e respeite a intercambialidade prevista pela Anvisa.